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1 de abr. de 2015

Conto

CONTO

Conto "Restos de carnaval", de Clarice Lispector

É uma narrativa curta, cujo enredo desenvolve-se em torno de um único conflito. Esse conflito cria uma situação de tensão, que domina quase toda a narrativa e prende a atenção do leitor até o desfecho.


Momentos da narrativa em um conto

  • Situação inicial - Ambientação da história, com rápida apresentação dos fatos, cenário, personagens. É uma situação de calmaria. 
  • Conflito - quebra da calmaria inicial, com o surgimento de um "problema". Esse problema vai se desenvolver durante quase todo o conto. 
  • Clímax - Momento de máxima tensão da narrativa, é o auge do "problema". Algo do tipo "pior, não fica!"   
  • Desfecho - Resolução do conflito, logo após o clímax. Geralmente rápido e inesperado.

     Dentre os tipos mais conhecidos, temos os Contos de Fadas, os Contos Fantásticos, os Contos de mistério e de terror... Cada um deles tem sua especificidade quanto à linguagem, à temática, à época e lugar onde as histórias se passam, aos tipos de personagens. Mas todos eles seguem a mesta estrutura narrativa: o "problema" se desenrola durante quase toda a história e rapidamente se resolve ao final, dando um susto no leitor! 



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📝 Leia mais sobre contos em Contos de Terror, Gêneros Textuais,  Elementos da narrativa.





A seguir, temos atividades com o conto “Restos de carnaval”, de Clarice Lispector. 


Restos do carnaval

Clarice Lispector
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça - eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável - e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga - talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel - resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas - à ideia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha - mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho, que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge - minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa - mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil - fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.
Conto publicado no livro Felicidade Clandestina, Ed. Rocco (http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/restos-carnaval-clarice-lispector-634375.shtml , acessado em 5/2/15)
 
 D1 – Localizar informações explícitas em um texto; D7 – Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa. 

1. Quem é o narrador da história? A menina que a viveu.
 
2. O conto gira em torno de um conflito. Que conflito é esse? Justifique sua resposta com passagens do texto.
O desejo da menina de fazer do carnaval, que ela tanto gostava, mas pouco participara.E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava?” No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. “
 
3. Identifique, no texto, os parágrafos que marcam:
a) situação inicial: 1o parágrafo
b) Conflito: 2o ao 5o parágrafo
c) Clímax: 6o ao 10o parágrafo
d) Desfecho: 11o parágrafo

4. Que idade tinha a personagem principal do texto quando os fatos aconteceam? Como você soube disso?
Ela tinha 8 anos. Isso pôde ser observado na passagem “à ideia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos...”

5. Retire do texto trechos que indiquem como a menina se sentia com relação ao carnaval.
E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava?”
Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.

 6. Que importância a maquiagem tinha para a menina? Justifique sua resposta com passagens do texto.
Ela queria sair da infância e tornar-se logo uma moça. Maquiada, ela se sentia menos criança e mais moça: “eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável - e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.”
o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil “

7. Observe: “Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto...Esse trecho mostra que o narrador-personagem conta os fatos em um tempo diferente do acontecido. Em que momento da vida da protagonista ocorreram os fatos narrados?
Na infância dela.


8. Em que momento da vida da protagonista ela nos conta sua história? Justifique com passagens do conto.
A protagonista já é adulta quando narra os fatos. “ este me transportou para a minha infância”; “Nunca tinha ido a um baile infantil...”; “eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável “

FOCO NARRATIVO


  1. Releia a última oração do texto “Restos de carnaval”, de Clarice Lispector.
    1. Reescreva-a, como se a mãe da menina fosse a narradora.
E ela então, mulherzinha de 8 anos, considerou pelo resto da noite que enfim alguém a havia reconhecido: ela era, sim, uma rosa.

    1.  Compare a oração original com a que você reescreveu. Qual a diferença quanto ao emprego dos verbos e pronomes?
Na oração original o narrador refere-se a si mesmo usando verbos e pronomes estão na 1a pessoa (eu, considerei, me). Na reescrita, os verbos e pronomes passaram para 3a pessoa (ela, considerou, a)

  1. O conto “Restos de carnaval” possibilita ao leitor conhecer os diversos sentimentos que o narrador-personagem experimentou ao longo da história.

    1. Que sentimentos são esses? Retire palavras do texto que os exemplifiquem. ________________


    1. No texto, o narrador-personagem descreve explicitamente seus próprios sentimentos, mas mão os das outras personagens. Por quê?
Por que o foco narrativo em primeira pessoa não permite que o narrador tenha acesso aos pensamentos e sentimentos das outras personagens. 
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Estas atividades fazem parte do Projeto Festival de marchinhas.
Projetos


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